Vamos Pra Onde?

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Minha mudança para a suíça



Uma mudança de país é um salto grande em nossas vidas mas confesso que nem pensei muito sobre como a minha seria. Não pensei na adaptação, não pensei no clima, no lugar, nas pessoas, idioma e nem na cultura. Me lembro que a única coisa que eu queria era sair do Brasil e eu estava realmente focada em fazer isso acontecer independente como fosse. Eu não sentia mais que lá era meu lugar. Era um sentimento interno e externo. Toda vez que eu voltava de alguma viagem a sensação era cada vez maior ao chegar em casa: angustia, tristeza, estagnação. Era como se eu tivesse deixado uma parte de mim em cada lugar. E eu acredito que sim, pois é assim que eu vejo as viagens; vamos pra fora pra nos encontrar dentro. Mas ao mesmo tempo, é como se eu não tivesse tido tempo o suficiente para me entender nesses lugares, sempre voltava com a sensação de estar faltando algo.



as 5 fases da mudança

Mudar pra Suíça foi assim pra mim, uma página em branco. Ao mesmo tempo em que faltava algo que eu nem se quer entendia o que era, eu sentia que tinha tudo o que eu queria. A adaptação pós mudança não é linear – e a minha não foi tão simples.

Entre pessoas com as quais nos conectamos aqui fora, que também saíram do seu país de origem, costumamos falar sobre as fases que vivenciamos após essa mudança acontecer. É muito importantes compreendê-las porque isso alivia – e muito – as possíveis dificuldades que podemos ter e a forma como lidamos com elas nesse novo lugar. Por isso, trago pra vocês quais são essas fases e como vivi algumas delas aqui.


como ter uma adaptação mais leve

1. lua de mel

Eu gosto de chamar assim o momento em que chegamos no novo país porque acho que é a forma como enxergarmos tudo. Ficamos em êxtase. Comigo aconteceu mesmo dessa forma – e escrevo aqui sobre da minha própria experiência e a de pessoas com as quais me conectei nesse caminho. Eu me lembro de sentir tudo de uma forma tão clichê que tinha medo de me acostumar com a beleza do país e não achar mais nada belo. Na verdade, eu não queria me acostumar. A sensação que eu sentia ao ver tudo novo, os lagos azul-turquesa, as montanhas com neve, a funcionalidade das coisas, a qualidade de vida das pessoas, era maravilhosa. Tudo era motivo de empolgação e deslumbre.

Essa fase é realmente muito gostosa de se vivenciar. Eu me sentia como uma criança explorando um mundo totalmente novo pra mim. Mas nessa fase não enxergamos os problemas, os desafios e as diferenças. Isso porque o deslumbre faz com que vejamos tudo com uma lente diferente – e muitas vezes ilusória.

É claro que tudo isso é real. Mas não é tudo. Não existe lugar perfeito (por mais que a Suíça possa parecer rs). E essa fase nos faz acreditar que achamos a perfeição.

Como dizia meu pai: “É mais fácil se acostumar com o que é bom do que o ruim” e não querendo desmerecer o nosso lindo Brasil, verdades sejam ditas: a qualidade de vida da Suíça não se comparara à do nosso país. E aí, nesse início, a gente se encanta, se acostuma, e se sente muito feliz.

Nessa fase é extremamente importante tomar nota de todo esse sentimento inicial de chegada no novo país. Vejo o quanto isso é essencial na vida aqui fora. Isso porque, quando você estiver vivendo os desafios que essa mudança exige, será a lembrança desses sentimentos de felicidade e encantamento que vai te ajudar a se conectar novamente com o belo e principalmente com o motivo de você estar ali. 

Gostou desse lugar da foto? Leia nosso texto e dicas sobre o Blausee: um dos lagos mais lindos da Suíça.



2. FALTA DE PERTENCIMENTO

A segunda fase inicia quando começa a passar o encantamento inicial. Não porque você não acha mais beleza nas coisas mas porque agora você tem uma “rotina” na sua nova vida e ela não é mais o que costumava ser. Ela não é mais o que foi normal pra você durante “sua vida toda”: idioma, funcionalidade, burocracias, ambiente, pessoas, clima. É exatamente nesse momento em que você começa a se dar conta de pequenos detalhes que passam a te incomodar. Ir ao mercado e não entender os rótulos do que está escrito ali, é um exemplo. Me lembro que voltava pra casa com crise de ansiedade e muita dor de cabeça porque de fato são muitos estímulos diferentes, inclusive para o nosso cérebro.

Aqui você começa a se deparar com situações na rua, no dia a dia, nas escolas (no meu caso porque imigrei com um filho também), na funcionalidade do país e na burocracia que precisa resolver. Muitas vezes nem sabemos por onde começar a resolver algumas coisas – imagina ainda sem falar/entender o novo idioma então. Desafiador! Eu lembro que nessa fase eu comecei a ter uma sensação frequente de não me sentir pertencente ao Brasil mas também não me sentir pertencente na Suíça.

A sensação era que eu estava, literalmente, “flutuando” entre esses dois mundos. Muitas vezes eu sentia vontade de conversar com as pessoas à minha volta, queria elogiar algo que vi dentro de uma loja ou pedir uma informação na rua, mas eu não conseguia. Não entendia absolutamente nada do que as pessoas falavam e qualquer coisa que eu fosse ler no idioma local me gerava ansiedade. Tinha a sensação de que eu jamais conseguiria entender aquilo um dia (vocês já viram palavras em alemão? Parecem algo de outro mundo – ou pelo menos parecia muito, pra mim, nesse inicio rs).

Nesse momento é muito importante iniciar um processo de inserção e conexão com cultura do país para que o isolamento não prejudique sua saúde mental. E esse isolamento que cito aqui não é sobre ficar em casa sem ver pessoas. É além. Eu, por exemplo, sempre busquei sair e fazer atividades ao ar livre (quem lembra quando eu pegava o trem sem saber pra onde ia só pra explorar os cantinhos?!). Inclusive, durante o inverno aqui na Suíça, eu vivia nas montanhas tentando esquiar (post e reflexões em breve!).

O isolamento que falo aqui, se dá pela falta de PERTENCIMENTO no novo lugar. É se sentir completamente sozinho e isolado mesmo em meio a várias pessoas. É como se nosso cérebro simplesmente desligasse.

Como contornar ou evitar essa sensação

  1. Comece a estudar o novo local (e idioma) o quanto antes – e não tenha medo de falar, errar, repetir e se comunicar;
  2. Busque por atividades que te permitam conhecer novas pessoas e ter uma rede de apoio que te faça bem;
  3. Pergunte a amigos locais ou pesquise detalhes sobre a cultura, hábitos e costumes. Assim você começa a entender o funcionamento social desse seu novo contexto, ou seu “novo normal” e passa a ter mais facilidade em se adaptar.

E pra mim, uma das coisas mais importantes e que eu gostaria de ressaltar aqui é: encontre sua tribo.


Um dia gostoso de hiking com amigas em Klewenalp, na Suíça

Pertencimento: Saiba escolher sua Tribo

Eu cheguei na Suíça falando que não queria contato com brasileiro para realmente me sentir imersa à cultura local. Mas percebi, com o tempo, que muitas vezes temos uma necessidade interna de nos conectar com as pessoas que fazem com que a gente se sinta “em casa” – mesmo que essa casa seja algo simbólico. Às vezes encontramos isso naquelas pessoas que são da mesma cultura e falam o mesmo idioma que o nosso. Mas isso não significa que você precise estar em contato com brasileiros. A mensagem aqui é de que é importante que você encontre pessoas que realmente te façam bem. Que consigam te entender e criar uma conexão genuína e saudável com você.

Vale mencionar que, por desafios pessoais e momentos de vida diferentes, algumas pessoas (talvez da sua mesma cultura) que cruzarem o seu caminho podem trazer uma conexão desafiadora. Ao invés de despertarem o nosso melhor nessa mudança e nos incentivarem perante os desafios, podem acabar despertando ainda mais ansiedade, medo e angústia no processo de adaptação.

Pra mim foi muito importante entender isso pra saber quais eram os meus valores aqui e quem eu queria ter perto de mim. Pessoas são pessoas, independente do lugar em que você está. Não se sinta mal por querer selecionar com cautela a sua tribo em benefício da sua saúde mental e bem-estar.

E eu ainda diria: cuidado ao validar experiências negativas de outras pessoas porque isso não indica como a sua experiência será. Na verdade, pode ser que muitas coisas se conectem mas nenhuma experiência é igual. E lembre, percepções muitas vezes dizem mais sobre como nós estamos internamente do que como o país ou a sociedade local é. Quando a gente muda pra fora, a gente percebe que precisa olhar muito pra dentro também.

A vida pós mudanças pede momentos de reflexão e olhar pra dentro

Eu, Marina, prefiro “romantizar” (diferente de iludir) a forma como vejo o mundo do que enxergar pelas lentes onde tudo se torna um peso. Se eu puder dar mais duas dicas aqui, serão essas: Escute as histórias de outras pessoas mas não se apegue à elas: viva a sua realidade e não á do outro. E realmente se dê o direito de ser seletivo em relação à quem você quer ter perto nesse momento, isso vai fazer total diferença.



3. QUESTIONAMENTO

E aí de repente, talvez por essa falta de pertencimento, chega aquele momento em que você se questiona de tudo: o que você vê, o que você sente, o que é certo/errado dentro do seu sistema de crenças e por ai vai. Essa fase chegou pra mim também, e eu a percebi quando comecei a me perguntar: “QUEM SOU EU?”

Eu não sentia mais o vínculo com as coisas que eu fazia no Brasil e me sentia completamente perdida de mim mesma. Eu tinha me tornado aquele botão RESET por completo. Parecia que toda minha vida antes dessa mudança tinha sido um sonho.

E ainda, além de questionar a mim mesma, eu comecei a questionar também coisas que eu via, vivenciava ou ouvia sobre a Suíça e a cultura local. Pensa que no meu caso, eu ainda estava criando um filho em um “mundo” que era completamente novo pra mim. Então além dos meus questionamentos pessoais, eu ainda tinha questionamentos quanto à educação do meu filho nessa nova cultura.

Somado à isso, questionei ainda minhas decisões: escolhi o país certo? a cidade certa? o momento certo? (Eu acabei mudando de cidade e isso me ajudou muito. Tenho inclusive um vídeo sobre essa mudança de casa dentro da Suíça)

Nesse momento eu tive que me aprofundar bastante no meu sistema de crenças porque só assim eu passei a conseguir separar o que era realmente meu e o que era fruto do ambiente que eu cresci, da cultura que eu vim e do país em que nasci. Algumas crenças que carregamos não são nossas, mas por fazerem parte do contexto em que vivemos por tanto tempo, acabam sendo absorvidas por nós em modo automático.

Essa identificação do que era mesmo importante pra mim e quais eram meus valores pessoais foi essencial pra que eu me sentisse mais “aterrada” nesses momentos em que os questionamentos chegavam. Foi essa reflexão que me ajudou a ter calma e me libertou dos questionamentos que deixavam minha mente mais ansiosa, com medo do que estava por vir.

Se você sentir que está passando por isso ou qualquer outra fase desafiadora, eu te aconselho: use e abuse de terapia – foi o que eu fiz e faço até hoje. De verdade, sempre achei que, por ter trabalhado com diversas ferramentas de autoconhecimento na minha vida e ter assim adquirido grande inteligência emocional, eu conseguiria dar conta de tudo sozinha, porque eu teria recursos pra isso. Mas foi super importante, pra mim, entender que principalmente em uma mudança de país, nossa saúde mental precisa estar – mesmo – em dia.

Os questionamentos são importantes para nos encontramos no novo lugar mas o excesso deles também pode nos distanciar do “simples” e do que precisamos fazer para chegar num estado de mais satisfação e bem-estar.


4. consciência e ação

Eu diria que esse é um momento em que conseguimos tomar algumas decisões importantes com base no que experienciamos. Essa é a fase em que realmente agimos para resolver os questionamentos que apareceram no passado. É o momento em que a gente resolve, por fim, estudar o idioma local pra não sentir mais o desespero por não conseguir interagir na rua, ou o momento em que a gente decide encontrar um bom médico, ao invés de apenas considerar que nenhum será como os que estamos acostumados do Brasil.

A Quel até costuma dizer que, pra ela, essa foi a fase em que ela deixou as desculpas de lado. Deixou as justificativas de lado. Parou de culpar o externo e decidiu tomar as rédeas, o controle da experiência na Suíça.

Isso tudo porque, com o tempo, conseguimos tomar consciência sobre o que esperar da funcionalidade do país, das pessoas que vivem ali, das estações do ano, suas características e o que cada uma delas oferece para nós. Isso nos permite finalmente tomar decisões importantes.

e com a ação, vem o alívio

Talvez até os rótulos no mercado já estejam mais fáceis de absorver, ou você já tenha conseguido tirar sua carta de motorista (ufa! que sensação maravilhosa toda vez que me lembro disso) e esteja finalmente em um momento de, literalmente, dirigir sua vida.

Talvez você já tenha tido encontros com algumas pessoas, se conectado com outras e tenha construído uma boa rede de amigos. Talvez a rotina no novo país já seja algo mais comum e menos desafiador.

Me lembro que nessa fase eu estava mais consciente do que esperar da minha nova vida e isso me gerava um pouco menos ansiedade. Eu já tinha passado por desafios mas também já tinha muitas histórias de superações pra contar e isso faz com que, pouco a pouco, você comece a se encontrar.

Eu não diria que o sentimento de pertencimento já existia aí porque, sinceramente, eu acredito que pertencer é algo muito mais profundo do que simplesmente estar inserido na cultura – mas aqui nesse lugar eu tinha mais consciência pra agir, e o movimento é muito, muito importante na mudança. Isso porque muitas vezes entramos em um lugar de comparação tendo a falsa sensação de que nossa vida está estagnada.

Essa sensação de continuidade é muito importante.

É praticamente uma liberdade. O que nos leva à “última” fase…

lago blausee na suica
Lago Blausee, Suíça



5. libertação

Coloquei esse nome de uma forma mais simbólica porque teve um momento depois de todas essas fases (que são muito mais longas e complexas do que parece simplesmente resumindo aqui) em que essa libertação chegou até mim quando compreendi algo que me fez muito sentido. Durante meus primeiros meses eu tive que lidar com muita ansiedade (sempre tive desde criança mas com a mudança de país tudo se intensificou ainda mais) e uma das coisas que me deixava mais ansiosa era a falta de pertencimento.

Por isso, coloquei uma cobrança grande em cima de mim de querer encontrar meu lugar e, dentro disso, eu buscava a inserção cultural. Porém, quando estamos em um novo país vivendo em uma nova cultura, muitas coisas não vão fazer sentido pra gente justamente porque crescemos em um ambiente (leia-se país) com costumes, clima, pessoas, idioma, alimentos completamente diferente. E acho que tentar nos inserir na cultura do país é super importante pra entender a funcionalidade e as pessoas com quem você está lidando – mas isso não significa que você precisa SER aquilo, sabe?

Em um determinado momento me peguei tentando ser, basicamente, mais “suíça” do que brasileira. E eu sou e sempre vou ser brasileira, não importa quantos anos eu more aqui nesse país. Abrir minha mente pra isso me fez absorver melhor aquilo que fazia sentido pra mim na nova cultura ao invés de criar “uma nova personalidade” de mim mesma que não fazia o menor sentido pra mim e me gerava cada vez mais questionamentos e ansiedade.

Você não precisa concordar com tudo mas precisa sim respeitar a cultura do país em que você está vivendo hoje. Entender isso pra mim foi uma sensação de liberdade muito grande porque estar ou não estar nos eventos culturais já não era mais uma necessidade de pertencer e sim uma escolha natural – o que fazia muito mais sentido pra mim e aquilo que eu buscava ali. Eu tirei o peso de “ter que” me adaptar e comecei a receber tudo aquilo que eu sentia que poderia ter de aprendizado pra minha experiência ali. Eu entendi também duas coisas importantes nessa jornada: nada é pra sempre e pessoas são pessoas independente da cultura, então não leve tudo que acontece pro pessoal.

Mais uma vez, se eu puder dar um conselho é: não se force tanto. Pegue leve com você e saiba que escolhas fazem parte da nossa vida e que, mesmo estando em um “mundo” completamente novo, você continua tendo o livre arbítrio de ter as suas – isso não é sobre onde você está e sim sobre quem você é.




Ufa! Acho que é isso. Essas “fases” são mais uma forma abstrata de trazer um pouco da minha experiência aqui. Isso não significa que a sua vai ser igual – mas pode ser interessante refletir sobre alguns pontos em comum.

Acredito que, ao compartilharmos nossas experiências, podemos ajudar outras pessoas que estejam passando pelo mesmo ou quem sabe até acender alguma luzinha ai dentro que possa ser benéfica pra algum momento específico na sua vida.



Beijos e até a próxima,
Marina



  • Aline
    30 de novembro de 2023

    Foi muito inspirador e reconfortante ler seu relato, Marina, muito obrigada!
    Há três anos eu mudei pra Lisboa por uma oferta de trabalho. Também nunca tinha pisado em Portugal. A fase Lua de Mel durou um ano e hoje percebo que lá também não é o meu lugar, ainda não é onde quero viver e sigo na busca.

    • Marina Bahr
      Aline
      13 de dezembro de 2023

      Obrigada Aline!
      Fico feliz que tenha sido reconfortante ler meu relato e tenho certeza que você também vai encontrar seu lugar, continue e não desista.

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